24/03/10


A Crise no Portugal do inicio de 2010 - parte I

1 - Introdução:

O País está a definhar, diz estrondosamente Ernâni Lopes, no que parece ser a
definição mais correcta da situação actual, misto de recuo e desânimo.

Vitor Ramalho, politico arguto, corrobora : “o País está sem alma e sem projecto”

Não se pode fazer nada sem uma retoma forte das exportações, afirmam dezenas de
politicos, economistas, etc. Mas para tal há que ser mais competitivos e produtivos
retorquem imediatamente mais politicos, economistas etc. agora acolitados por várias
associações patronais e com os próprios individualmente olhando de soslaio para os
representantes sindicais, e não se pode portanto aumentar salários, pelo contrário !!
Nem pensar, dizem logo os sindicatos com o apoio de outros politicos, economistas etc.,
não temos nada a ver com isso, a crise é financeira, os nossos salários e apoios sociais
são dos mais baixos da Europa e portanto queremos aumentos substanciais de salários,
pensões, subsidios de desemprego etc. que isto não pode ser sempre o mexilhão a lixar-se!
E alem disso o aumento de salários incentivaria sempre o consumo e portanto a economia?

Para aumentar a comoção periodicamente vão sendo divulgados na imprensa vários
“golpes” de milhões de euros praticados por até há pouco tempo impolutas e respeitaveis
figuras publicas, muitas “gestoras” nomeadas de importantes Bancos e Empresas,
necessitando de arredondar os seus parcos salários da ordem (veio-se a saber) dos 30 a
35.000 euros ( 4 vezes o do PR, o que até julgava não ser sequer legal ! ), certamente com
a habitual desculpa de ser “para o Partido”.

A nação está cada vez mais dividida em 2 grupos : um minoritário, constituido por gente
ligada ao Poder politico e/ou económico, que nunca esteve tão bem. São lucros fabulosos
no sector financeiro, são Porches em Braga, são farmaceuticos a recusar a unidose, são
despesas sumptuosas, são o clima favorável à diminuição de ordenados e à precaridade
etc.etc.etc. E se houver alguma necessidade não há problema, vá uma fraude que o Zé
paga. Estão bem, mas a credibilidade como elite natural e sobretudo ética acabou.
Os outros, a maioria, são constituidos por quase todos os proletários no sentido abrangente,
agora não só os clássicos antigos operários, mas tambem uma multidão de empregados de
escritório, funcionários publicos, trabalhadores de vários serviços, ( dos famigerados “call
centers”, às superqualificadas “caixas” dos hipermercados etc. ) lutando diáriamente para
sobreviver com ordenados ridiculos, desemprego, precaridade e sobretudo incertezas.

Na minoria, salvo algumas honrosas excepções, já ninguem confia e muito menos para
definir algum rumo coerente e sério para enfrentar a situação sem ser mais liberalismo.
A generalidade da extrema esquerda não tem quem realmente a represente. A maioria das
propostas são tão absurdas que nem o mais empedernido militante acredita na sua
fasibilidade. Mas enfim, lá vai existindo e capitalizando algum descontentamento..
A maioria de centro-esquerda está desorientada. Sente que só ela pode conduzir o País
mas os sinais dos seus representantes são tão contraditórios que a duvida é permanente. No
entanto é com eles que conta e de quem espera liderança esclarecida e competente.

Não se prevendo no entanto qualquer “saida” revolucionária, a curto/médio prazo o que há
a propor parece ser óbvio e mais, uma questão de sobrevivência :

 Produzir bastante mais (desemprego)
 Produzir com mais valor (salários e divida)
 Exportar bastante mais (divida)
 Desperdiçar bastante menos (divida e corrupção)
 Importar bastante menos (divida)
mas para que a solução seja sustentável e não mero “fogo de vista” há que remover logo
os primeiros entraves pois são necessárias várias condições prévias como por exemplo :
- Definir uma estratégia produtiva credivel para o País na era da globalização.
- Perceber de vez a questão da competividade/produtividade, para a corrigir.
- Combater eficazmente a corrupção.
- Promover efectivamente o mérito.
 Previligiar as empresas dos sectores que interessam
- Acesso facilitado ao crédito
- Criar tribunais contratuais especificos.
- Rever questões fiscais nas áreas prioritárias.
 Qualificações e precaridade.
 Promover a formação em gestão.
 Reorientar a Investigação e Desenvolvimento.

Claro que tudo tem de ser contido numa estratégia sustentavel a médio/longo prazo.
Quando se fala, por exemplo, em “produzir bastante mais”, evidentemente têm de ser bens
transaccionáveis, (onde hoje se inclui algum “software”) para os quais há mercado e
onde se pode ser competitivo. Senão bastava aumentar a burocracia, “engordar” o Estado
com mais umas centenas de milhar de funcionários e tinhamos o desemprego a ser
“combatido” (até á falência do País).

Não tenho a veleidade de ter soluções para um problema globalmente tão complexo mas
como cidadão com mais de 40 anos de actividade na produção ( o que a maior parte dos
habituais “experts” não tem nem nunca poderá ter ) e militante de um Partido de esquerda
acho que posso e devo dar o me modesto contributo para um assunto que nos afecta a
todos e às gerações vindouras.

E alem disso por constatar “ad nauseum” que quem devia tambem não tem soluções
para alem do “mais do mesmo” e declarações pomposas de banalidades conhecidas.

Clarificando alguns pontos :

2 - Desperdiçar bastante menos

É um dos pontos que praticamente não é abordado quando se fala da crise. No entanto é
calculado por alguns autores que o “desperdicio” anual em Portugal poderá ser da ordem
dos 5 % do PIB, um valor gigantesco. Claro que se estão a referir as clássicas mudanças
para lampadas de baixo consumo, electrodomésticos em “stand-by” permanente,
calafetagem de portas e janelas e vidros duplos, hábitos de consumo, aproveitamento do
Sol e luz natural etc.etc mas não só. As principais áreas onde o desperdicio é mais elevado
, segundo os autores, são o transporte individual, os medicamentos não-unidose (quase
todos) e as perdas na distribuição de água em baixa (municipios). A ineficiência
introduzida pelo mau funcionamente do Estado em geral (Justiça, SS etc.) é tambem
apontada. Pessoalmente atrevo-me a acrescentar mais algumas, certo que não esgotarei a
matéria : o desperdicio de tempo e dinheiro dos utentes dos serviços publicos obrigados ao calvário de ter de esperar pelo fim das chamadas particulares ou conversas de futebol,
enlear-se em burocracias, filas, etc. E isto a nivel de atendimento ao publico, porque a nivel
de quadros e chefias quem é que paga o protocolo, os carros novos e motoristas dos
chefes, as remodelações sumptuárias de gabinetes e as carissimas deslocações ao
estrangeiro de chefias e técnicos para reuniões de utilidade mais que duvidosa ?
E ainda se poderia falar do material médico nem sequer utilizado e destruido, dos residuos
etc. Estou quase certo que um estudo comparativo sério provaria que o sector publico
gasta mal muito mais do que devia por funcionário em relação ao que faz. E isto sem
tocar na dimensão. Há outro aspecto que gostaria de focar, o numero de fábricas,
armazens, maquinaria, instalações etc. que pelo País fora estão vazios e abandonados,
provavelmente à espera de uma qualquer decisão judicial. É espantoso o valor em milhares
de milhões de euros que estão assim a apodrecer com o unico fim de permanecerem
no balanço dos credores, em geral Bancos. Não seria muito mais inteligente pô-los à
disposição de eventuais investidores ? Pelo menos fariam alguma manutenção.

3 - “Definir uma estratégia produtiva credivel para o País na era da globalização”

Está amplamente provado que o chamado mercado foi incapaz, mesmo em Países adultos
nesse aspecto, de preencher esta função, quanto mais no nosso em que a incompetência
quase geral dos gestores é proverbial e em que 80% das PME têm menos de quatro
trabalhadores! Tem assim de ser uma tarefa dirigida pelo Governo, por muito que isso
ofenda o liberalismo vigente. Claro que o haver uma estratégia não deve significar que
empresários não possam por outras razões investir noutros ramos mas sim que outros que
não eles serão previligiados. E desde mesmo antes de Michael Porter se fala no assunto
sobre diversas capas mas em geral com uma unica conclusão : um País da nossa
dimensão e recursos tem de avançar sobretudo nos sectores onde tem vantagens
relativas consideráveis e sustentáveis e deve procurar criar “clusters” nesses sectores,
(como a Finlândia na floresta). Seria (foi) sempre muito arriscado e votado ao insucesso
investir por exemplo na produção em massa de semi-condutores ou “chips” ( Quimonda
etc.) , vocação evidente da China, India, Vietnam e sucessores. Mas por exemplo investir
fortemente na I&D da desfalca automática de cortiça ( podendo aumentar imediatamente
mais de 20% a produção desta) parece evidente num País lider mundial do sector, assim
haja mercado. Esta opção é para mim essencial pois não só eleva a competividade
nesta época de globalização como dificulta deslocalizações e pode aumentar o valor
acrescentado. E vários sectores têm sido apontados até hoje : vinho ; turismo ; cortiça;
automovel; calçado; malhas; produtos de madeira; floresta; moda; agroalimentar;
petroquimica; moldes; ferramentas; TIC`s; industrias do mar; renovaveis; medicamentos;
agricultura; farmaceuticas; biotec; instrumentos cirurgicos etc. em vários estádios de
desenvolvimento. Pessoalmente tenho duvidas sobre alguns (ex. turismo de massas,
moda, petroquimica) e acho outros mais promissores (exemplo floresta (com desfalca;
biocombustiveis em particular etanol de celulose etc.), cutelaria, ourivesaria, algum
“software” etc.) mas só um estudo aprofundado e sério o poderá determinar.
De qualquer forma há questões, na minha opinião, que não podem ser esquecidas :
- os investimentos sociais (apoio a idosos, creches, cuidados continuados etc.) são desejáveis, necessários e criam emprego mas não criam directamente riqueza e têm custos operacionais. Só podem ser sustentados se houver um sector produtivo que os financie. Uma economia sustentável não pode ter só sector terciário ou social.
- Jerónimo e outros têm razão quando afirmam que o sector produtivo tem sido
irresponsavelmente destruido. Mas já não a têm quando, em nome da luta ao desemprego, se esforça por manter sectores absolutamente insustentáveis em época de globalização. A tentativa de manter a laborar a qualquer custo por exemplo industrias de
cablagens, texteis e calçado baixo de gama etc. ( a não ser que haja outras razões ), é economicamente indefensável. Tem de se ir por alternativas e não insistir no impossivel.
- Há que estudar exaustivamente o tecido empresarial português, sem esquecer a chamada “economia informal”. Citando alguns numeros, que merecem pouca
credibilidade, haverá em Portugal 250.000 PME, das quais 80% têm menos de
4 trabalhadores ! Como é possivel exigir certos padrões de gestão, comerciais e pior
ainda internacionalização a estas empresas ??? Claro que devem estar aqui a maior parte das sociedades agricolas, pequenos comércios, as oficinas de automóveis, os gabinetes de “consultores” e de informática etc.etc.etc. e talvez até profissionais liberais,
mas o facto é que se estimam (deste numero), que 30% não sejam do sector terciário ??
Mais, está publicado que 40% dos empresários portugueses têm no máximo a 4ª classe.
Estou com Henrique Neto quando diz que isso não tem relevancia pois muitas firmas cheias de licenciados não são exemplo para ninguem mas, e estou certo que o próprio
Henrique Neto o reconheceria, esta situação não facilita nem a inovação nem o contacto
com organismos que supostamente seriam de apoio ( universidades, instituições etc.)
Sem um estudo sério e um bom diagnóstico a terapeutica será sempre errada.
- A Universidade portuguesa tem de perder de vez a arrogância de centro de “saber” ou
“conhecimento”, como gosta de se apresentar. Quanto mais pequena é a empresa em
geral mais pragmáticos são os seus gerentes e eventuais quadros. Não gostam portanto minimamente de serem menorizados nos seus conhecimentos (forçosamente pragmáticos)
quando contactam essas instituições e muito menos aceitam criticas que não sejam substanciadas por quem mostre realmente saber mais do que eles do assunto. Julgo
ser este e o cumprimento de prazos os principais problemas do recorrente divórcio
universidade-empresa, de que se fala há décadas noPaís e tanta falta faz resolver.

4 - Perceber de vez a questão da competividade/produtividade.

È um daqueles assuntos recorrentes que não mereceria qualquer comentário não fora
ser profundamente desmoralizador de uma amplissima população activa constantemente
assim estigmatizada de “perguiçosos e calões” que pouco ou nada fazem, ainda por cima
por quem em geral só nos tem dado exemplos da mais completa incompetência e total falta
de ética. Claro que haverá muitos que dirão que “não”, a intenção nunca foi essa, mas o
que de facto passa para o publico é que Portugal só não ultrapassa a crise porque os
seus trabalhadores não produzem !! E portanto nem vale a pena fazer nada!!É o fado!!

Quanto à competividade e apesar de tudo, parece-me que muita gente já percebeu que
engloba um conjunto de factores, desde o “design” ao financiamento, sendo o custo do
trabalho um deles, aliás em geral até não o mais importante hoje em dia. Como sempre a
recente argumentação e proposta do patronato sobre o salário minimo é reveladora da
falta de visão, oportunismo e “mais do mesmo”. Até Camilo Lourenço a criticou.

Quanto à produtividade é que o problema é maior. A produtividade, simplificando, é
o quociente entre o valor do que se produz e o trabalho gasto a produzi-lo. Portanto há
duas maneiras de a aumentar : ou produzindo no mesmo tempo objectos de maior valor
(o que sucede em quase todos os Países desenvolvidos) ou levando menos tempo a
produzir objectos do mesmo valor. Ora a maioria das pessoas nunca esteve minimamente
ligada à produção e, alem de não fazer a mais pequena ideia da importância dos meios, julga que para produzir mais é só preciso trabalhar mais . Nem sei se seria bem
assim no seculo XIX, no tempo da marreta, mas hoje não é de certeza. O produzir mais
hoje não é suar mais, é produzir melhor, com equipamentos e métodos adequados. O
maior malandro com uma retro abre uma vala mais depressa que o melhor trabalhador
com uma enxada. E quem é que hoje para cortar e limar troca uma rectificadora por uma
serra e um limatão ?? E se pedir aos melhores pedreiros para fazer um muro e não lhes
der cimento nem areia nem tijolos e aos piores der tudo, quem é que acaba primeiro o
muro ?? E quem é que tem de dar a retro, a rectificadora, o cimento, a areia e os tijolos ??
A produtividade é hoje muito mais da responsabilidade da empresa que do
trabalhador. Como é que os portugueses podem ser tão bem considerados na França,
Alemanha etc. e aqui, segundo muitos, não deviam ganhar nem para comer ?? Será dos
Pirineus ?? Claro que sim! É que de um lado há empresas, do outro nem sei o que dizer.
Tambem não é preciso, basta ver a TV. Sempre que há uma reportagem sobre industria lá
aparece um genérico com um desgraçado a arrumar uns legos amarelos numa caixa e
outro a alimentar à mão um balancé. Tenho a impressão que hoje nem no Burundi se
põe um ser humano a fazer aquilo o dia todo. Só com uma extracção e alimentação
automáticas a produtividade daqueles devia passar para o triplo pelo menos. E ainda vi
num Tribunal uma funcionária a escrever à máquina e, numa visita do PR, um operário a
cortar cortiça numa serra de disco sem protecção !! E no Luxemburgo , o País mais
produtivo do Mundo, que tal saber que um quarto dos trabalhadores são portugueses das
Beiras ?? Eu próprio já participei numa situação dessas quando na construcção da
petroquimica de Sines, pela Sorefame e em 78. Em condições como imaginam realmente
dificeis, batemos várias vezes as produtividades das melhores empresas mundiais da
altura como a CMP. É preciso é saber como se faz e isso não se aprende nas sedes.

Há tambem que atender ao volume da produção. Séries grandes de produtos podem
conduzir mais facilmente a uma automatização quase total e assim, garantida a qualidade,
o preço da mão-de-obra pode passar a ser determinante, com vantagens evidentes para a
Asia. Pessoalmente penso assim que investir em grandes séries em Portugal é errado.
. Já pequenas séries me parece melhor até pela valorização das nossas reais qualificações.

Claro que o aumento da produtividade pode ser inimigo do emprego ( se a procura
fôr rigida ) mas não é esse o caso geral, embora eu próprio já tenha tido de enfrentar
essa situação . No entanto não deixei nunca de me manter informado sobre a alternativa.

5 - Combater eficazmente a corrupção

É um problema francamente dificil mas que tem de ser combatido de forma eficaz. Os
seus efeitos são altamente perversos não só para a classe média/alta activa como para
as próximas gerações ao inculcar a ideia de que o mérito não conta para o sucesso, mas
sim o percurso partidário, os conhecimentos certos, a flexibilidade da espinha e claro,
uma total ausência de escrupulos quando chegar a altura dos grandes “golpes”. Ora para
se poder ser corrupto é preciso estar num dos tais cerca de 5000 lugares de Poder onde as
decisões valham a pena ser “influenciadas”. Por isso não há quase corrupção aos niveis
mais baixos. Por isso tambem esses lugares são quase sempre preenchidos por “homens
de confiança” das cupulas partidárias. São 5000 que fazem parte da maioria dos
já péssimos gestores que geralmente temos, para desespero e desprezo de quem
realmente teria direito e competência para aceder por mérito ao lugar.


6 - Promover efectivamente o mérito

Ligado ao assunto acima, não sei como poderá ser resolvido sem ser em paralelo, embora
aqui já se tenham de englobar classes não-dirigentes. Dizia-se em tempos que nas empresas
privadas era o que acontecia. Já não é assim. A dependência da ampla maioria destas do
Estado tornou-se tão grande que já quase não há empresas de alguma dimensão que não
tenham, pelo menos entre os seus Administradores e Directores comerciais, alguem
fortemente ligado aos Partidos do Poder ou Governantes. Nos sectores tecnicos tal em
geral acontece pouco, embora as “cunhas” ainda funcionem largamente, mas por exemplo
nas consultorias juridicas e fiscais (vulgo trafico de influências), é em geral um espanto.

7 - Previligiar as empresas dos sectores que interessam

Portugal com a sua dimensão e problemas não pode, a meu ver, dispersar esforços como
se duma ampla economia de mercado se tratasse. Acho que definida uma estratégia e
demarcados os sectores a previligear , de uma forma obviamente dinâmica e sujeita a
avaliações de resultados e revisões periodicas, deve fazer-se uma descriminação positiva
desses mesmos sectores, quer no que respeita a incentivos (como já foi feito no SIII ),
quer a questões juridicas e fiscais, quer mesmo no que respeita à gestão e investigação e
desenvolvimento. A afirmação de uma estratégia orientadora para o País, suportada
pela maioria dos Partidos por compromissos firmes e publicos, é talvez a maior
necessidade para o nosso desenvolvimento rápido e sustentável e para a criação de
emprego tanto produtivo como em consequência social.

8 - Acesso facilitado ao crédito

É um dos entraves mais importantes em Portugal tanto para empresas já estabelecidas
como sobretudo para empresas novas, recem criadas ou em expansão. Apesar do esforço
feito na criação de Sociedades de Capital de Risco, factor essencial, a maior parte das
existentes não passam de respostas de “marketing” da Banca comercial tradicional perante
a pressão do Governo, espelhando a mesma filosofia “salazarenta” de aversão total ao
risco e à inovação. Até os seus quadros vêm em geral da Banca tradicional não tendo
portanto nem a preparação, nem a experiência, nem a mentalidade necessárias para
esta actividade. Na fase mais dificil do empreendedorismo, quando é necessário decidir
enveredar pela nova actividade ou continuar no confortável emprego sem hipotecar a
família, a Banca faz tantas exigências de garantias e apresenta tais dificuldades a
qualquer empréstimo, que imediatamente desencoraja o mais afoito. E no entanto
se calcularmos os tipicos lucros anuais de um Banco médio português tradicional e
admitirmos que metade seriam empregues como capital de semente, daria para
lançar cerca de 1000 (!) empresas/ano. Como ainda funciona o sistema bancário
português, continua a ser mais fácil um notório traficante com bens obter um empréstimo
que um potencial empresário inovador iniciar a sua empresa. E veja-se como a Microsoft,
a Apple, o Google e tantas outras empresas foram apoiadas. Sem verdadeiro capital de
risco bem se pode hoje esperar ( sentado ) por inovação aplicada, que no entanto tanta
falta faz tanto à competividade como no combate ao desemprego e à formação de quadros.

9 - Criar tribunais contratuais especificos.

É inutil estar à espera que a Justiça se reforme globalmente no nosso País. As
pressões politicas e mediáticas são demasiado grandes para se esperar obter prazos
aceitáveis ou outras condições a curto prazo. No entanto um dos obices principais postos
ao investimento em Portugal é a demora da Justiça, em particular em questões contratuais.
Não estamos a falar apenas nos Tribunais de Trabalho, que por sinal até são dos mais
expeditos do nosso sistema, mas tambem nos contratos entre empresas. Nos tempos
actuais em que, por exemplo, o chamado “outsourcing” tem tanta importância, não haver
decisões atempadas no que respeita a contratos ( prazos, qualidade, cessação etc.) é uma
situação inaceitavel. Na minha opinião há que criar Tribunais especificos para o efeito,
com prioridade para as empresas consideradas estratégicas como as acima indicadas.

10 - Rever questões fiscais nas áreas prioritárias.

No essencial é um problema de funcionamento não muito diferente do acima mencionado
juridico. No entanto tem aspectos especificos a considerar, dos quais o mais importante,
( julgo eu ) é a questão do IRC. A questão geralmente posta para justificar a redução de
taxas do IRC é simples : o que é que rende mais (?): 25% de 0 (supondo a manutenção da
taxa e que não há mais produção) ou 15 % de 1.000.000 (supondo que uma redução da taxa
levaria bastantes empresas a investir e laborar no País). Claro que a resposta é obvia, resta
saber é se passaria a haver assim investimento, se diminuiria a fuga ao fisco, se outras
economias não terão outros factores mais atrativos etc. etc. O facto é que alguns incentivos
fiscais já são largamente aplicados em Portugal sobretudo em relação ao capital estrangeiro
e não devem ser duplicados. Mas é uma área a estudar com muita profundidade.

11 - Qualificações e precaridade.

As questões da qualificação e acesso às TI parecem-me estar relativamente bem
encaminhadas em Portugal, embora certamente precisem de ajustamentos. É quase
indiscutivel a importância que uma formação adequada tem para o desempenho
e deveria ter para a produtividade ( se acompanhada pelo necessário investimento e
melhoria de métodos ) e para os proveitos de cada trabalhador e não só, mas há ainda
vários conceitos errados sobre a formação necessária e sua importância :
- O primeiro conceito é que numa empresa “hi-tech” (tipo Qimonda) todos os trabalhadores
são altamente qualificados. É em grande parte falso. Neste tipo de empresas altamente
automatizadas os engenheiros, encarregados e pessoal de manutenção são forçosamente
qualificados mas o pessoal das linhas de montagem já em geral não. Por exemplo na
fábrica de turbinas a vapor da Westinghouse em Memphis os operários são recrutados
entre os plantadores de algodão locais ! Nem poderia ser de outra forma, senão como é que
chineses, vietnamitas, malaios etc. poderiam ter industria de ponta sendo que a maior parte
da sua mão-de-obra vem directa da agricultura de subsistência ? Ou os própios USA, onde
25 % dos trabalhadores mal sabem ler, poderiam ser o gigante industrial que ainda são.
- Em complemento o conceito de que todos os pouco educados são, por definição, pouco qualificados. Tambem em grande parte falso. Há evidentemente muitos trabalhadores pouco qualificados e em geral com niveis de educação muito baixos, no entanto há muitos mais razoavel ou altamente qualificados com os mesmos niveis de educação baixos. Isto porque, em geral os mais velhos, não tiveram oportunidade de estudar dadas as condições
de vida familiares mas, nas empresas para onde foram, aprenderam penosamente muita coisa que lhes deu a qualificação que hoje têm. Bases teóricas obviamente são poucas mas experiência profissional, conhecimentos pragmáticos e habilidade manual como eles,
poucos têm. Claro que a estabilidade de emprego e a formação interna nas empresas que então se fazia foram fundamentais no processo. Tambem a nossa proverbial capacidade de adaptação ajudou muito, sobretudo na emigração. A precaridade é inimiga absoluta da qualificação. Ninguem pode em meia-duzia de anos passar, por exemplo, da construção civil para uma padaria, daí para uma metalomecânica e depois para um balcão e ser qualificado em qualquer destas áreas.
Isto sem falar nos problemas sociais que são não conseguir empréstimos para comprar casa
ou carro, ter de ficar na casa dos pais, ter dificuldade em constituir familia etc., alem de
receber em geral o salário minimo. Devemos actualmente ser o País que mais gente qualificada e até licenciada tem em “call-centers” ou caixas de hipermercados.

12 - Promover a formação em gestão.

A reconhecida carência de formação em gestão da generalidade dos nossos empresários
não pode ser abordada de forma uniforme. Se realmente 80% das nossas PME são na
verdade micros com menos de 4 trabalhadores, teremos 200.000 (?) empresários que não
podem ( pois têm de ser em geral tambem trabalhadores ) dedicar-se à gestão no seu
sentido usual. A formação em gestão tem de ser portanto diferenciada :
- Até 10 trabalhadores as necessidades não devem ultrapassar o saber fazer orçamentos,
como ir buscar financiamentos, saber ler uma Demonstração de Resultados ou um
Balanço, como preencher letras e livranças, obrigações fiscais e principios base como: não
se dever ter um só cliente ou financiar investimentos com empréstimos a curto prazo etc.
- Nas chamadas pequenas ( 10 a 50 trabalhadores ) já a parte comercial começa a ter
importância e noções sobre o assunto ou como fazer um plano de investimento ( e como
calcular o retorno ) ou de negócios devem adicionar-se. Importante tambem a noção de que
um quadro não é para tirar poder mas sim colaborar com o empresário e noções de
cidadania, ética, humanidade e de como gerir o pessoal serão benvindas.
- Nas médias ( 50 a 250 ) começam a ser necessárias as noções mais clássicas de gestão,
acompanhadas claro da formação humana, ética e de cidadania.
- Nas grandes ( > 250 ), alem do dito anteriormente, convem em primeiro lugar que os
gestores pelo menos conheçam as empresas ( o que geralmente não é o caso ) e a
concorrência e se apercebam de vez que o jargão americano de gestão, com os seus
“outsourcing”, “downsizing” etc. que fazem as delicias ( e proveitos ) dos gurus, não são
para aplicar às cegas. O resto é mais clássico e MBA em geral não faltam.

Claro que para os primeiros casos, terão de ser distribuidos vistosos diplomas, de
preferência de Universidades, atestando a formação. Darão um forte contributo à auto
-estima de muitos empresários que não puderam estudar e removerão muitas barreiras.

13 - Reorientar a Investigação e Desenvolvimento.

É uma questão geralmente fraturante na comunidade académica. Por várias razões mas
julgo que as realmente principais ( mas nunca referidas ) são o facto dos Prof `s não se
sentirem à vontade na investigação aplicada e a “obrigação” de fazer investigação
fundamental para os “papers” e Doutoramentos. Ao contrário por exemplo da Alemanha,
é raro uma empresa portuguesa recorrer à Universidade para resolver problemas práticos
e inesperados como a proliferação de moscas numa compostagem ( passou-se comigo ) ou
outros. Só pelo assunto seria concerteza imediatamente expulso do veneravel Campus.
A burocracia, dificuldade de entendimento, esquemas diversos dos quais a permanente
tentativa de aproveitar o projecto para “sacar” fundos comunitários por exemplo, é o pior, prazos e preços etc. são totalmente desencorajadores. Temos gente qualificada nos
projectos do reactor de fusão ou do acelerador de particulas mas, que eu saiba, os casos da
praga nos sobreiros principalmente em Santiago ou dos nemátodos nos pinheiros, que
tantos prejuizos reais causaram e ainda causam, não foram objecto de uma abordagem
profunda, pragmática, imediata e conclusiva por parte da Universidade. Não é um assunto
fácil mas é inevitável abordá-lo de vez. Já agora uma provocação: quantas patentes
tecnológicas têm as Universidades nacionais ? Eu, individualmente, com um “miserável”
( ? ) mestrado nos anos 60, tenho duas ( por enquanto ).

António Jardim

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