21/05/10

Europa Gorda

Por: Miguel Freitas
Deputado do PS


Na decisão política, o modelo europeu é muito lento e demasiado burocrático


A Europa está gorda. Obesa. A precisar de tratamento. Descobriu agora? Não, há muito que se via. Mas apesar de se ver, pouco fez por melhorar. Tinha crises, mas passava. Tentou mudar. Poucas, muito poucas vezes de forma determinada. Agora, só tem um caminho: fazer exercício e uma dieta rigorosa. Senão, um dia estará a pão e água.

Dizem que tem a ver com o “processo histórico”, com o modelo europeu, com o envelhecimento das suas gentes, com a falta de liderança. Um pouco com tudo isso. Certamente.

É uma Europa que se endividou para manter níveis de vida que já não pode ter. Uma Europa, ou pior do que isso, vários centro de custos, sem uma estratégia comum, com cada vez menos crédito no mercado financeiro. Uma Europa com uma moeda Única, mas sem uma governação económica. Criou um fundo de estabilização in extremis, que veremos ao que chega. Algum exercício se fez. Mas é muito pouco.

A mudança estrutural na economia mundial não lhe é favorável. Níveis de produtividade mais baixos, níveis de crescimento mais baixos. Não por questões de trabalho, mas de eficiência colectiva. Por via da terciarização da economia, com prevalência nos serviços não transaccionáveis. As fábricas do mundo já não são aqui. O tempo de reajustamento é medonho. A globalização torna a concorrência desigual. Perde-se mercado, fecham-se empresas. Cresce o desemprego. Perdem-se direitos sociais.

A estratégia de Lisboa foi sendo adiada. Há uma nova estratégia revista para 2020. Objectivos genéricos, pouco precisos. A questão energética é encarada de forma tímida. Mais por via ambiental que de segurança. As questões de segurança são, aliás, muito comentadas, mas pouco interiorizadas nas políticas.

Na decisão política, o modelo europeu é muito lento e demasiado burocrático. A nova arquitectura trouxe ganhos de participação, mas aumenta o tempo de decisão. Num momento em que a eficiência prevalece, temos de admitir que o tempo tem custos. Além disso, há uma voragem regulamentadora e alguma falta de coragem de assumir decisões difíceis.

O modelo social quer ser justo, promover a educação e a saúde para todos, defender o trabalho, garantir a velhice. É o grande repositório dos valores europeus. Mas tem de se adaptar a novos tempos. Tempos de restrições orçamentais. Tempos de repensar funções do estado. Não apenas na qualidade, mas também na intensidade das respostas públicas.

A Europa não vai acabar. Mas tem de fazer reformas. Tem muitos exercícios a fazer. Para se fortalecer. Não tanto para salvar o mundo, mas para continuar a ter um papel no mundo.
Acácio Pinto
Deputado PS




Ziguezague do PSD

O problema surge quando um partido político com a responsabili­dade do PSD não tem um rumo claro [...] sobre uma questão tão importante como são as obras públicas



Com a ascensão à liderança de Pedro Passos Coelho pensámos que o ziguezague tinha sido banido do seio do PSD. Tinha chegado um novo líder e com ele uma linha de rumo clara, transparente e objectiva.

Pensámos que tinha terminado a diversidade de posições a que fomos sujeitos nos últimos anos. Eram as opiniões dos barões, dos candidatos, da líder e dos ex-líderes.

Afinal, rapidamente, aquilo que foi uma vitória esmagadora de Pedro Passos Coelho e de uma encenação de união com a expectativa de que o rumo agora era claro e uno acabou por se esboroar passado um escasso mês sobre o Congresso.

Falo, obviamente, de obras públicas. Falo do investimento do Estado em obras decisivas para o futuro do país e para a competitividade dos territórios.

E se as posições divergentes são legítimas em política, se os pontos de vista e as estratégias são diferentes, não vem daí nenhum mal ao mundo. O problema surge quando um partido político com a responsabilidade do PSD não tem um rumo claro sobre esta matéria, não tem uma estratégia linear sobre uma questão tão importante como são as obras públicas.

Por um lado, Pedro Passos Coelho escreveu, recentemente, no livro que editou durante a campanha interna a líder que o aeroporto “deve avançar de acordo com o calendário previsto” e o TGV “deve prosseguir na medida em que permita a ligação à rede de alta velocidade espanhola e europeia”, mas, já esta semana, Miguel Relvas, secretário-geral do PSD, afirmou que “o Governo deverá suspender imediatamente todas as grandes obras públicas anunciadas”.

Ora aqui está como as coisas acontecem ao sabor dos ventos e conforme alguns comentadores da praça vão discorrendo sobre esta matéria.

E como se tudo isto não chegasse, são agora as distritais do PSD também a falar. Mas a falar para aplaudirem as obras públicas lançadas pelo Governo. Refiro os casos da distrital do PSD de Leiria que em comunicado se congratulou com a finalização do contrato de concessão do Pinhal Interior, dizendo mesmo que o projecto representa uma oportunidade de recuperação económica para a região.

Mas sobre esta mesma concessão (Pinhal interior), o deputado do PSD Miguel Frasquilho afirmou à TSF que o avanço da construção da auto-estrada Pinhal Interior é “um sinal negativo” por parte do Governo.

Já sobre a auto-estrada Viseu Coimbra e IC12 que o Governo tem em curso é o PSD de Viseu e dos concelhos limítrofes a clamar pela sua realização e mesmo a aprovarem moções e a efectuarem declarações nas assembleias municipais para que as mesmas (e outras) avancem a toda a força, quando na Assembleia da República os deputados do PSD as contrariam.

Depois temos ainda o Presidente da República a dizer que os investimentos públicos devem ser repensados e temos agora uma brigada de economistas zeladores do bem comum que querem também entrar no jogo político pedindo para serem recebidos por Cavaco Silva para se manifestarem contra as obras públicas.

Enfim, cenas políticas de um profundo desrespeito pelos resultados eleitorais e pela legitimação democrática de que o governo está investido.

Em tudo na vida há limites. E também na política devia haver limites para a decência e para o decoro!

Este é um combate que vale a pena travar! A economia e o emprego exigem a nossa disponibilidade para este combate.

A MATILHA

Por Luís Nazaré
Economista

A matilha

A debilidade dos mecanismos de solidariedade financeira no seio da zona euro é real e notória. Sem esses dispositivos, qualquer crise num Estado-membro pode conduzir à ruptura do sistema

Está à vista de todos – o euro está a sofrer um ataque feroz, o mais violento de que há memória desde a sua criação. A coligação de interesses especulativos e antieuropeus vive momentos de indisfarçável felicidade perante as dificuldades do Velho Continente, embora receie o efeito de ricochete sobre o sistema financeiro norte-americano. Só assim se explicam as chamadas telefónicas de Obama para Merkel, apelando ao empenhamento alemão na resolução do problema grego.

Recordemos que a actual crise económico-financeira se desencadeia a partir dos Estados Unidos com a chamada bolha do subprime (excesso de crédito hipotecário concedido pela banca + risco elevado + ganância dos agentes de mercado + desinformação dos consumidores), a que se sucede a falência do banco Lehman Brothers. A partir daí, num efeito-dominó, a crise alastra à banca europeia, pondo a nu as fragilidades do sistema bancário, o descontrolo das contas públicas de alguns países e a ausência de mecanismos europeus de solidariedade financeira para a defesa da sua moeda e dos momentos mais difíceis dos seus estados-membros.

As situações de incumprimento nos Estados Unidos estão longe de ser raras. Muito recentemente, o estado da Califórnia esteve à beira da bancarrota. Há algum tempo atrás, o mesmo tinha acontecido ao estado de Nova Iorque e a outros. A diferença é que nos Estados Unidos as instituições federais estão lá para actuar sempre que é preciso, assegurando a coesão do sistema. Na Europa, falha de mecanismos federais, o mesmo não acontece. E assim o efeito-dominó alastrou.

Primeiro, houve que salvar a pele de alguns bancos – entre os quais os portugueses BPN e BPP –, à custa de centenas de milhares de milhões de euros. Podemos legitimamente perguntar-nos se o esforço valeu a pena, para quem passou anos a fio a enganar os consumidores e os aforradores. Mas é bem possível que as consequências tivessem sido bem mais devastadoras se não o tivéssemos feito. Depois, sobreveio a crise das contas públicas de alguns estados-membros da zona euro.

A Grécia, que passou demasiado tempo a iludir as estatísticas e a fazer de cigarra, transformou-se no detonador por que os especuladores internacionais ansiavam. Os riscos de incumprimento da sua dívida pública abriram as portas da jaula onde as agências de rating e os especuladores mais vorazes se encontravam – exactamente os mesmos que haviam pactuado escandalosamente com as práticas mais obscenas das instituições financeiras que provocaram a crise. “O comportamento de rebanho dos mercados é, na verdade, de matilha – uma matilha de lobos” – afirmou, com notável a-propósito, o ministro das Finanças sueco na cimeira do fim-de-semana passado.

Ainda mais contundente tem sido o prémio Nobel Paul Krugman na sua denúncia das práticas especulativas dos “mercados” e, em especial das agências de rating, que acusa, sem papas na língua, de práticas de corrupção passiva. É bom recordar que as três grandes agências de rating mundiais, aquelas que classificam a seu bel-prazer a qualidade das dívidas empresariais e nacionais, são norte-americanas de berço e enfermam do preconceito antieuropeu comum nos Estados Unidos (e um pouco também no Reino Unido). Para elas, a dívida dos países do sul é duvidosa, a dos anglo-saxões segura. Para elas, o dólar é o refúgio certo, o euro uma ameaça.

Seria incorrecto, porém, assacar todas as culpas da crise do euro às malvadezas dos especuladores. A debilidade dos mecanismos de solidariedade financeira no seio da zona euro é real e notória. Sem esses dispositivos, qualquer crise num estado-membro pode conduzir à ruptura do sistema. Hoje é a Grécia. Amanhã poderá ser a Irlanda, Portugal ou a Espanha. Num futuro não muito longínquo, o Reino Unido ou mesmo a França.

Por isso, o Conselho de Ministros das Finanças da União Europeia decidiu, no passado fim-de-semana, criar um Fundo de Estabilização Financeira, que contará com uma dotação de 750 mil milhões de euros, numa tentativa de estancar os ataques à moeda europeia. Este fundo permitirá acudir, no limite de 60 mil milhões de euros, aos países em dificuldades, em troca da adopção de políticas financeiras austeras. É uma boa notícia, embora o seu efeito tranquilizante sobre os mercados financeiros não esteja ainda adquirido. Outra boa notícia é a criação de um novo mecanismo, dotado de 440 mil milhões de euros, destinado a socorrer países com dificuldades na balança de pagamentos, através de garantias fornecidas pelos países da zona euro, na proporção das suas participações no Banco Central Europeu.

Mas não tenhamos ilusões: com mais ou menos agências de rating, mais ou menos especuladores, Portugal tem de disciplinar as finanças públicas, reduzindo a sua despesa corrente, aumentar os níveis de poupança das famílias e estimular a competitividade do tecido económico. Uma equação difícil de resolver, mas para a qual os portugueses saberão encontrar a resposta certa.