31/05/10

Apelo a José Sócrates e Manuel Alegre

Por Elisa Damião

Este artigo foi publicado em 2008-12-30


Todos teremos um papel que terá de ser coeso e solidário, para restaurar a confiança perdida neste mercado afundado em corrupção com a cumplicidade ultra liberal.

Com a legitimidade moral de uma militante há 30 anos que quem deu tudo ao serviço do PS, no exercício de funções públicas ou cívicas, a todos o níveis, que iniciou actividade política depois de ter sido eleita pelos companheiros de trabalho, na Lisnave. sempre que puderam votar, contra a hegemonia do PCP, correu riscos antes e depois do PREC, e acabou a sua vida pública durante uma reunião de trabalho acometida de grave hemorragia cerebral que a deixou com grande incapacidade motora.

Se agora falo do meu estado de saúde, que vivi com discrição, em família, é para avaliarem a minha indignação para o que parece ser a eminente fractura do Partido Socialista que pode dar de bandeja o poder à direita, por muito tempo.

Tenho ainda a legitimidade, ditada pela prudência fundada no conhecimento das personalidades destes dois excelentes interpretes parciais, do pensamento de muitos militantes socialistas, em que não votei, exactamente por serem o que são líderes de facção.

De Sócrates nunca esperei um líder Socialista não tem formação política sólida, desconhece a História das Ideias Políticas, não deve ter lido os ideólogos da formação do Partido Socialista em finais do Séc. XIX, XX, jamais citaria Antero, ou sequer os mais recentes António Sérgio e Henrique de Barros.

Da geração de Mário Soares, dos Socialistas construtores da Europa com ambição solidária, toda essa elite extraordinária que nos legou o combate por uma Europa assente no paradigma das Liberdades no plural, como resumia Mitterand, que na juventude trabalhou com Jean Monnet, que inclui: a Paz; Democracia; Direitos Fundamentais e Sociais, Igualdade sob o primado da Solidariedade entre países regiões e cidadãos.

Sócrates, tomou as bases essenciais, deste legado, num tempo muito difícil de garantir igual dedicação a todas as frentes desta exigente herança.

Hesitou, entre a 3ª via de Blair derrotado pela guerra do Iraque, e a crise económica e social global, causada pela escola de Chicago, os idólatras do mercado sem regras, de que Blair foi fiel servidor.

Sócrates, acabou, felizmente, por se juntar a Zapatero, com a inteligência de unir esforços com outros políticos para melhor servir Portugal.

Surpreendeu-me com a grande capacidade de comunicar, é inteligente, assertivo, no tempo e no modo de falar com os media. Distanciou-se de tal modo de Guterres que parece mais obstinado e arrogante, do que realmente é.

É ideologicamente um Social liberal, o que nunca lhe tirou o sono, antes um socio-liberal convicto que um radical demagogo.

Convenceu-me com a coragem de assumir algumas medidas arrojadas, no domínio da sociedade e família, particularmente no combate às corporações, instaladas desde a idade média, a célebre Casa dos 24, que o Marquês de Pombal extinguiu na lei e Salazar reabilitou, impediram a democraticidade da vida das Instituições fundamentais a que muitos sindicalistas socialistas deram o combate de uma vida contra unicidade.

Porém a cultura corporativa sobreviveu até aos nossos dias cujo combate Sócrates assumiu desde logo, decidido a acabar com os regimes de excepção, inadmissíveis no Estado de Direito.

Todos temos o dever e o direito de ser avaliados, sejamos políticos, juizes, médicos ou professores, podem e devem discutir-se os métodos. A avaliação de desempenho em política é a mais difícil, sujeita a incompreensões ao jogo obscuro de interesses de grupos detentores dos media, aos egoísmos individuais, mas todas as profissões podem ter mecanismos técnicos, com profissionais habilitados, para qualificar o desempenho com grande objectividade, que não deixe dúvidas, e deve ter consequências ou não será séria.

Não é mais possível manter impunes os que não se empenham, não se preparam para corresponder aos desafios do futuro, ocupam o quadro, impedindo a qualidade das Instituições.

Para além do ruído de fundo das manifestações e chantagens, com fins políticos, tentam impedir o governo de mudar este cenário inaceitável, de abandono precoce da escola e deficiente preparação dos alunos, não se verificam propostas construtivas, sendo legitimo concluir que só estão interessados em atingir o governo.

São porém, evidentes as dificuldades dos governantes sem experiência política para dar combate igualmente político às manipulações partidárias.

Dos descontentes, a maioria é motivada apenas pelos naturais receios, não fundamentados, uma vez que a ausência de gestão responsável, permitiu hábitos instalados, cuja inércia causa rejeição à mudança seja ela qual for, desde que aumente as responsabilidades e recompense o mérito.

A ausência de debate nos órgãos do PS, marginalização e desconsideração dos militantes, começou antes de Sócrates, com que Alegre indiferente se acomodou durante anos.

Reagiu quando o preteriram, como candidato presidencial, e ele que é a alma do PS, o romântico combatente da ditadura, o mais amado tribuno muitas vezes ausente, nos combates internos pela pluralidade, parece querer trilhar os nefastos caminhos de Chevenement e Lafontaine que instalaram a direita no poder em França e na Alemanha, depois do fracasso da esquerda caviar, irrealista de Josepin, puseram em causa, de facto, toda a ambição de nova geração de políticas sociais compensadoras das necessárias mudanças do mercado de trabalho, pelas transformações tecnológicas e demográficas, impediram que mais cedo os Socialistas franceses iniciassem o debate da globalização existente que constava no programa dos líderes eleitos.

Alegre, não propõe um posicionamento da almejada esquerda face ao problema essencial, o maior e mais fascinante desafio da esquerda moderna que proporciona o regresso da política, dos grandes debates decisivos para a regulação da globalização, que acabe com a especulação financeira descontrolada e a exploração das desvantagens da pobreza por asfixia da OIT que deixou de cumprir o papel para que foi criada, sem lugar nas decisões opacas e não democráticas da OMC (Organização Mundial do Comércio) totalmente controlada pelos países ricos, que tornou o mercado global, sem regulação mundial, inseguro e imprevisível, não augurando nada de bom para o futuro próximo.

A esperança na Europa reside numa esquerda capaz de dialogar com as demais famílias políticas Europeistas, que a CIP filiada na UNICE também dará o seu contributo no diálogo social europeu, mais experiente e sólido que o nacional.

Todos teremos um papel que terá de ser coeso e solidário, para restaurar a confiança perdida neste mercado afundado em corrupção com a cumplicidade ultra liberal.

Que esquerda se espera num mundo sem fronteiras, que o derrube de Sócrates e a eleição de Ferreira Leite resolvam os problemas do país, desde que a ala radical tenha mais votos e novos líderes?

Quem quer ser responsável pela destruição da Constituição, sólido pilar do Regime Democrático que só o PS forte, está em condições de preservar.

Devolvo a Alegre o anátema da Dante se tomar a decisão de fracturar e destruir o Partido Socialista, a que dei os melhores anos da minha vida e ao seu serviço quase morri.

Viva ainda, apesar de hemiplégica, darei combate total e exigirei respeito, pelo PS plural, pelo trabalho de milhares de militantes de gerações anteriores e actuais que desejam muito o regresso do debate, mas não pouparão os responsáveis pela sua destruição numa fogueira de vaidades de egos desmesurados.

Fraternas saudações, a todos os Socialistas tão preocupados quanto eu, na convicção de que quem ama o nosso enorme património, está sempre disponível para agregar e não para dividir.