01/12/08

Congresso do PCP
A consolidação da ortodoxia


Por Carlos Manuel Castro

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, defendeu durante o XVIII Congresso do partido, no Campo Pequeno, em Lisboa, que a "cooperação estratégica" do Presidente da República, Cavaco Silva, com o Governo PS "animou" o executivo a assumir a "agenda do grande capital".

Jerónimo de Sousa abriu o congresso com uma forte crítica à "esquerda dentro do PS", de Manuel Alegre, acusando-a de "alimentar ilusões" e tentar "suster" a subida dos comunistas.

O Bloco de Esquerda mereceu "umas breves considerações" de Jerónimo, que apontou a sua "indefinição ideológica", o seu "carácter social-democratizante disfarçado de por um radicalismo verbal esquerdizante". "A sua fixação é o PCP e a sua concorrência é sempre contra o PCP, caindo muitas vezes no anti comunismo", afirmou.

À excepção da arenga do costume, de que o grande capital conta com o apoio do Governo (isto o PCP já diz há mais três décadas), as palavras de Jerónimo de Sousa, hoje, são diferentes das que proferiu há pouco mais de uma semana na entrevista à TVI. Que tenha notado, não me apercebi de qualquer referência, por exemplo, à Segurança Social, que este Governo do PS tem sabido valorizar no campo público. E ainda dizem que é neoliberal! Anátemas cheios de vazio!

Por outro lado, Alegre e o BE deixaram de ser potenciais aliados para serem condenados.

Quando há pouco mais de um mês Jerónimo equacionou um namoro com o BE, as sondagens cedo mostraram que o PCP descia, tal como o Bloco. Assim, nada como recuperar a postura ortodoxa, da superioridade comunista e condenação de todas as outras ideologias, nomeadamente a social-democrata, lembrando os animados e ásperos confrontos dialécticos que os comunistas russos dirigiam à social-democracia alemã no início do século XX. Jerónimo podia ter sido 100% fiel à postura leninista e condenar, no seu discurso, o sistema democrático.

O mundo mudou, mas o PCP mantém-se fiel a um tempo que já passou e (felizmente) não regressa.

Notei que na primeira fila dos convidados estavam sentados os camaradas Carvalho da Silva e Mário Nogueira, provavelmente a recuperar do esforço físico das manifestações. Em especial o líder da FENPROF, única coisa, ao fim e ao cabo, que sabem fazer, pois de propostas, nada se sabe, nada se vê.
Gonçalo Santos

A força do Partido Comunista Português

Congresso: PCP é caso único de influência na Europa

Passados 18 anos sobre a queda do Muro de Berlim, o PCP - que acaba de realizar o seu XVIII Congresso, no Campo Pequeno, em Lisboa - mantém-se como um caso raro de partido que, permanecendo leal ao marxismo-leninismo, não só não se esfumou na turbulência da derrocada dos regimes socialistas de Leste, como tem uma invejável influência social, política e eleitoral, surgindo até nas sondagens e estudos de opinião com hipóteses de recuperação de eleitorado.

Os motivos desse sucesso são múltiplos e têm causas tanto recentes como longínquas e históricas.

Para o dirigente do PCP Ruben de Carvalho, entre as razões recentes e conjunturais surgem factores como "a democracia interna do partido" e a sua "visão humanista e solidária da actividade política". Por outro lado, considera que "as pessoas sabem que o PCP faz o que diz" e tem um desempenho nos cargos públicos e nas autarquias que "fala por si". Já a viragem à direita da governação PS está entre as causas conjunturais apontadas pelo politólogo André Freire.

Uma questão de identidade

A grande causa da capacidade de influência do PCP atribui-a Ruben de Carvalho a razões históricas e de identidade. "A questão da origem desempenha um papel na sua ligação à classe operária, até porque a sua origem é diferente da dos partidos comunistas europeus, que cindiram da social-democracia", sustenta Ruben de Carvalho ao PÚBLICO, lembrando a raiz anarco-sindicalista do PCP.

Por outro lado, Ruben de Carvalho recorda que o PCP, "para além do paralelismo com o campo socialista, tem profundos traços nacionais", o que, na sua opinião, se deve também às características do país: "O PCP nasce, em 1921, num país com uma classe operária jovem e pouco industrializado, ao contrário do PC alemão ou do francês". E frisa que o PCP tem influência junto do operariado agrícola, precisamente devido à peculiaridade da sua génese e afirmação ao longo das décadas.

Ruben de Carvalho salienta ainda a afirmação do PCP ao longo da sua história. "A luta antifascista e a clandestinidade foram muito importantes e mantiveram os traços dessa origem e dessa identidade que perdura até hoje em factores como o respeito pela regra de ouro" de uma percentagem do comité central ter de ser composta por pessoas de origem operária ou camponesa, destaca. Assim, "a ligação operária e a influência do PCP nos sindicatos são consequências dessa causa. Basta lembrar que, durante o fascismo, o PCP esteve sempre nos sindicatos nacionais e que a Intersindical foi criada nessa época", frisa Ruben de Carvalho, concluindo que "até Pacheco Pereira, na biografia de Álvaro Cunhal, reconhece que há no PCP profundos traços nacionais".

Em declarações ao PÚBLICO, Pacheco Pereira considera que "os partidos comunistas, na sua generalidade, eram essencialmente um braço da política externa soviética, como é o caso do inglês e do americano, e desapareceram com o fim do Leste. Os que sobreviveram tinham dimensão nacional".

Porta-voz dos protestos

É essa dimensão nacional que este historiador especialista em PCP diz ser responsável por este partido ser um "porta-voz de sectores da sociedade que não têm outras" formas de representação ou de identidade, ou seja, o PCP "tem uma dinâmica de representação da terceira idade, dos reformados das fábricas e dos campos" e é "a voz pública de defesa desses interesses" - refira-se que 34,9 por cento dos militantes têm mais de 64 anos.

Pacheco Pereira atribui a essa identidade operária industrial e rural histórica do PCP o seu recente aumento de militância e de expectativa de votos. "Jerónimo de Sousa permitiu recuperar parte do eleitorado, que voltou a reconhecer-se no PCP", diz o historiador, acrescentando que "os jovens aderem também por um factor comunitário de identificação; muitas vezes, o PCP é a identidade da terra".

Ora, "estes sectores são por natureza conservadores, fazem parte de uma economia que desapareceu", por isso "não querem que o PCP mude" que "se modernize, liberalize". E conclui: "O PCP é um dos partidos com maior sucesso na reconversão de partido com base nacional, acompanhado pelos partidos comunistas da Grécia, de Chipre e da Finlândia".

Já o politólogo André Freire considera que "o sucesso da resistência do PCP é relativo" e é verificável apenas "em comparação com outros partidos comunistas". "[Mas] se pensarmos que já perdeu bastante peso eleitoral, que já foi bastante mais forte, atingindo os 20 por cento no final dos anos 70, não se pode assim ignorar o refluxo acentuado e progressivo." Por outro lado, André Freire frisa que a aparente melhoria eleitoral recente está ligada no tempo com o fim das tentativas de abertura, nomeadamente o Novo Impulso, de Luís Sá e Carlos Carvalhas. "Do ponto de vista político, houve um refluxo com a eleição de Jerónimo de Sousa", salienta ao PÚBLICO.

André Freire considera sobretudo surpreendente no PCP o facto de este partido ter "uma performance nos últimos 30 anos de quem parece nunca querer chegar ao Governo nacional e adopta apenas um registo protestatário", isto quando, "na democracia, os partidos devem competir pelo Governo e fazer “inputs” na governação".

Mas é esse lado de protesto, associado "à ancoragem social, nomeadamente aos sindicatos", e ao facto de ser "o partido que, em Portugal, mais se aproxima do partido de massas e funcionar assim com um fundo de colectividade identitária e cultural", que André Freire considera estar na origem do sucesso e da influência do PCP. "É isso que o torna menos permeável aos refluxos da conjuntura."