04/12/08

A CRISE

Recuperação só em 2010

Professor da New York University, Nouriel Roubini tem o apelido de Mr. Doom (em tradução livre, Senhor do Fim dos Tempos), por sua visão pessimista da crise mundial. Ainda que seja um entusiasta de Barack Obama e sua equipe económica, ele considera que o mal já foi feito e que apenas em 2010, se políticas corretas forem adoptadas, o mundo vai se recuperar da recessão. Ele prevê que países emergentes, como Brasil, Rússia e China, vão passar por uma aterragem turbulenta (hard landing) e defende mais gastos dos governos em infra-estrutura e benefícios às camadas mais carentes, para que o consumo seja estimulado.

Qual a sua avaliação sobre a equipe económica anunciada pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama?

Nouriel Roubini: Eu considero o time económico excelente, especialmente Timothy Geithner, secretário do Tesouro, Christina Romer, directora do Conselho de Assuntos Econômicos, e Lawrence Summers, diretor do Conselho Econômico Nacional. Eles são economistas de primeira linha, todos com muita experiência em políticas económicas nacionais e mercados financeiros. Eles são fortes e muito espertos.

CC: Obama só vai assumir o poder em 2009. O que pode acontecer até lá?

NR: Existe um bom grau de coordenação e cooperação entre Obama e seu time com a Casa Branca, o Tesouro e o Federal Reserve (Fed). Claro que é um período de transição, necessário para a elaboração detalhada de programas económicos e das decisões de política fiscal que terão de ser tomadas. Tenho certeza de que será uma transição suave.

CC: Quais são as primeiras medidas que Obama deveria tomar?

NR: Há várias. Em primeiro lugar, os Estados Unidos precisam de um estímulo fiscal muito grande, porque o consumo privado está em colapso. Precisamos de mais gastos do governo em infra-estrutura, dar ajuda a governos estaduais e municipais, em benefício dos pobres, para incentivar a demanda. Se isso não for feito, a recessão será mais grave e esta é uma medida urgente. Em segundo lugar, temos de acelerar o processo de recapitalização do sistema financeiro. É preciso mais capital do governo aos bancos, corretoras e companhias de seguro, com o Fed e o Tesouro em estreita colaboração nesse processo. É necessário descongelar o mercado de crédito, ainda semiparalisado.

CC: O Fed anunciou, na terça-feira 25, um pacote de ajuda ao crédito imobiliário, ao consumidor e às pequenas empresas, um total recorde de 800 biliões de dólares. A iniciativa vai na direcção do que o senhor julga desejável?

NR: Sim. Porque haverá a redução das taxas de juro de longo prazo para o mercado imobiliário, pequenas empresas e consumidores. Foi uma ação acertada entre o Fed e o Tesouro para tentar recapitalizar, porque este último vai garantir as operações.

CC: O socorro do governo americano ao Citibank também foi uma medida saudável e saneadora?

NR: De um lado, era preciso a intervenção porque o Citigroup é uma instituição financeira de enorme proporção. O que eu faria seria um pouco diferente: punir parte da administração e o corpo de directores. Também olharia para os accionistas minoritários. O processo de salvamento foi generoso em excesso e alguém deveria ser responsabilizado pela situação de insolvência do banco.

CC: Em termos globais, o que se pode prever para 2009 e 2010?

NR: Para 2009, prevejo uma recessão global, nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Zona do Euro, no Canadá e no Japão. Também há o risco de um hard landing nas economias de muitos mercados emergentes.

CC: O senhor inclui o Brasil nessa previsão?

NR: Sim. Incluo o Brasil, Rússia, Índia e China, todos os BRICs. Para uma economia como a chinesa, um crescimento que caia de 12% para 6% é um hard landing. Todos os emergentes vão sofrer, por meio dos canais do comércio, das commodities, do crédito, do financeiro ou cambial. Essa desaceleração rápida será tão séria como uma recessão.

CC: Muitos analistas brasileiros cogitam um crescimento do País de, no máximo, 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009 e uma recessão em 2010.

NR: Para um país como o Brasil, um crescimento de 2% é, sem dúvida, uma aterragem forçada, perto da recessão, porque o potencial é muito maior. Serão dois anos difíceis, mesmo para aqueles com fundamentos mais sólidos e sistema financeiro saudável, como o Brasil. A queda dos preços das commodities, a recessão global e o aumento da aversão ao risco dos investidores serão factores negativos para todos os emergentes.

CC: O senhor acha que, no estágio actual da crise, o uso da política monetária é eficiente?

NR: O efeito da política monetária em países desenvolvidos, como Estados Unidos e Japão, será significativamente menor. Eles estão em uma armadilha de liquidez. Há risco de deflação. Deveriam lançar mão de instrumentos não tradicionais, como facilitação de acesso ao dinheiro e o governo comprar directamente activos do sector privado. No caso dos emergentes, a política monetária será inibida em parte por causa do enfraquecimento de suas moedas e da inflação em alta. Se bem que o Brasil tem um enorme espaço para a redução do juro, em razão da desaceleração da economia.

CC: O G-20 reuniu-se recentemente e anunciou uma série de intenções para regular o mercado financeiro internacional. Para o senhor, o encontro sinalizou uma real intenção de reformular as regras de supervisão de regulação?

NR: O ponto positivo é que houve um reconhecimento de que o G-7 sozinho é incapaz de ditar as regras da economia global. Os países emergentes têm de se sentar à mesa com os desenvolvidos para discutir questões que afectam a todos. Isso é positivo. Mas levará ainda algum tempo para que as nações em desenvolvimento tenham voz activa nas discussões. De todo modo, foi um passo importante em direcção a um novo desenho de poder mundial.

CC: Ou seja, é positivo, mas irrealista agora.

NR: É um processo, não acontecerá de um dia para outro. Houve, porém, uma compreensão de que é preciso incluir os emergentes nas discussões. Parece que as negociações internacionais caminham na direcção correta.



CC: O senhor acha possível reformular os papéis de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial?

NR: Já está havendo uma reformulação, com maior representatividade dos emergentes, na questão dos votos. Especificamente em relação ao FMI, é importante que ele recupere o papel de um fórum internacional que garanta a estabilidade dos seus integrantes, assim como o Banco de Compensações Internacionais (BIS). Eles terão de retomar a função de assegurar a estabilidade financeira internacional e alertar para potenciais crises. Além disso, o FMI precisa engordar o caixa, para empréstimos urgentes, sobretudo aos emergentes, que não estão blindados da crise.

CC: O senhor tornou-se conhecido como Dr. Doom, por suas previsões sombrias. Está mais optimista agora, com a eleição de Obama?

NR: De um lado, ainda acho que haverá uma recessão global muito séria. Não vamos nos iludir. Obama tem o melhor time, que poderá pôr em prática a melhor política económica. Se as escolhas forem certas, a contracção económica poderá ser mais curta. Mas ainda estou muito pessimista, porque todo o mal já foi feito. A função do novo presidente será reduzir as perdas do sistema, mas não vai evitar a recessão. Com sorte, só sairemos dessa em 2010. O ano de 2009 está perdido.

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