29/11/08

Crise economica:

Grande oportunidade de “inovação disruptiva” para as empresas

Com a globalização veio o declínio do domínio americano nos setores de fabricação, energia e até mesmo no setor financeiro. Uma coisa, porém, continua de pé: a boa e velha engenhosidade americana.

Mas até isso parece estar em perigo atualmente. A China, cujas indústrias são motivo de inveja no Ocidente mais por sua tenacidade do que por sua engenhosidade, criou uma estrutura que, ao longo de alguns anos, deverá torná-la mais inovadora e, portanto, mais competitiva. Cingapura fez o mesmo. A Finlândia juntará sua principal escola de negócios à escola de design e de tecnologia para formar uma “universidade da inovação” multidisciplinar no ano que vem.

Membros do conselho da Academia Nacional de Ciências e da Academia Nacional de Engenharia mostraram-se “preocupados com o fato de que o enfraquecimento da ciência e da tecnologia nos EUA possa degradar as condições sociais e econômicas do país e, de modo particular, comprometer a capacidade dos seus cidadãos de competir por empregos de maior qualidade”, conforme relatório de 600 páginas das Academias Nacionais publicado em 2007 com o título “Para vencer a tempestade que se aproxima”.

O fator imprevisível atualmente diz respeito ao futuro da inovação - isto é, ao avanço das idéias progressistas na ciência, na tecnologia e nos negócios. O que será dela agora que a economia mundial está em crise? É opinião corrente que empresas, o governo e o mundo acadêmico vão estar menos dispostos a correr riscos e a trabalhar com os custos de curto prazo que acompanham o território da inovação.

Contudo, Paul J. H. Schoemaker, diretor de pesquisas do Centro de Inovação Tecnológica Mack (Mack Center for Technological Innovation), diz que, no caso de algumas empresas, a crise econômica pode muito bem servir de plataforma para a inovação. “A crise tem impactos variados”, diz Schoemaker. “Os prejuízos com receita e lucros vão instilar, num primeiro momento, uma mentalidade de corte de custos, o que não é bom para a inovação. No entanto, quando o paciente estiver sangrando, primeiro é preciso estancar a hemorragia. Em seguida, começa uma fase em que os líderes procuram saber que partes do seu modelo de negócios não vão bem (e, talvez, sejam até mesmo insustentáveis). Daí poderá decorrer a reestruturação e a reinvenção.”

Ele adverte também contra o excesso de precaução - dependência exagerada da inovação incremental em detrimento de uma inovação transformadora ou “disruptiva”. Nos círculos de inovação, esses dois tipos de inovação são conhecidos como “i pequena” e “i grande”. Os maiores ganhos de uma empresa provêm das inovações mais ousadas, que desafiam os paradigmas e a empresa”, diz Schoemaker.

O negócio da ruptura

Embora a “inovação disruptiva” tenha se tornado palavra de ordem nas empresas há apenas uma década aproximadamente, a idéia é bem antiga: o economista austríaco Joseph Schumpeter a tinha em mente quando se apropriou da expressão “destruição criativa” para expor suas teorias sobre o modo pelo qual o empreendedorismo serve de esteio para o sistema capitalista.

Portanto, de que forma um empreendedor ou uma empresa se tornam “disruptivos”? Como convencer os investidores ou os altos escalões do valor de uma idéia radical?

Se há alguém que sabe como levar ao mercado as inovações disruptivas, esse alguém é Jeong Kim, presidente do Bell Labs, na Alcatel-Lucent, e um bem-sucedido empreendedor do segmento de tecnologia. Kim apresentou algumas sugestões em uma apresentação recente intitulada “Abrindo caminho para a inovação disruptiva”, cujo conteúdo faz parte de uma série de palestras do programa de Mestrado Executivo em Gestão de Tecnologia (Executive Master’s in Technology Management, ou EMTN), cujo tema é: Alinhando tecnologia e empresas emergentes.

Entender a importância da inovação disruptiva é o maior ativo de qualquer empresa. Numa empresa bem-sucedida - ou numa empresa com várias camadas de burocracia que tolhem o surgimento de novas idéias - isso pode ser muito difícil. Ela precisa também se dedicar à pesquisa. “A pesquisa disruptiva é fundamental, sobretudo no segmento tecnológico.”

Além disso, não basta simplesmente contar com engenheiros brilhantes. Se não houver uma gestão competente, a tecnologia mais refinada pode acabar na lata de lixo da história corporativa ou, pior do que isso, pode acabar nas mãos da concorrência: “A inovação disruptiva não é suficiente”, diz Kim. “Podemos citar numerosos exemplos de empresas que introduziram novas tecnologias mas que, no fim das contas, acabaram suplantadas por outras.”

Na linguagem da inovação, essas “outras” são conhecidas como “seguidoras velozes” - ou seja, são empresas com financiamentos melhores ou administração mais precisa e que conseguiram explorar uma tecnologia de maneira mais rápida e eficaz no mercado do que seu criador original. “Em se tratado de novas tecnologias, não há quem não goste de sair na frente”, diz Kim. “Contudo, quanto mais flexível e inovadora a empresa for no tocante ao seu modelo de negócio, mais tempo terá à sua disposição para administrar essa vantagem.”

Com isso, chegamos à seguinte questão: qual o melhor modelo de negócio para promover a inovação? Existem, como se sabe, numerosas ferramentas de tomada de decisão para auxiliar as empresas a administrarem sistematicamente os programas de inovação, observa Schoemaker, co-autor de um livro intitulado Wharton e a gestão de tecnologias emergentes.

De acordo com Schoemaker, em se tratando de inovação, a analogia deve ser feita com o disparo de uma escopeta, e não de um rifle. Dada a alta incidência de projetos de inovação, seria bom que as empresas trabalhassem com uma série de situações e contingências possíveis, em vez de colocar todas as suas esperanças em um plano apenas. Fazer as coisas sempre do mesmo jeito parece ser um bom clichê corporativo - funcionou bem para muitas empresas que sobreviveram à era pontocom.

Schoemaker, porém, e outros gurus da inovação, advogam a importância de se avaliar as áreas próximas ao principal negócio da empresa e considerá-las solo fértil para avanços inovadores. Estratégias antigas e lineares que confiam apenas em esquemas de mensuração convencionais são, via de regra, ultrapassadas e não devem ser a única fonte de recursos da empresa. “Ao examinar a lacuna de crescimento da empresa, desenvolver cenários, explorar áreas adjacentes e se aventurar mais em “oceanos azuis”, as empresas tendem a colher muito mais benefícios”, diz Schoemaker. (A expressão “oceano azul”, no jargão da inovação, corresponde a mercados desconhecidos e, portanto, ainda não disputados). “A estratégia de investimento, porém, deve dar mais atenção a uma tática de opções e de portfólio, em vez de prestigiar sempre o método estático de avaliação pelo Valor Presente Líquido (VPL).”

Mary Benner, professora de administração da Wharton, diz que a síndrome do “faça tudo sempre do mesmo jeito” impede as empresas de grande porte de reagir à ameaça da concorrência. “Creio que a inovação introduzida pelas empresas através de novas tecnologias radicais ou novos mercados pode parecer aos acionistas e analistas de valores mobiliários um afastamento muito grande em relação às expectativas dessas empresas. Investidores e analistas muitas vezes preferem que as empresas maximizem o valor gerado para o acionista fazendo as coisas do jeito que sempre fizeram. Disso resulta que empresas de grande porte, principalmente as que todos esperam que tenham lucros e distribuição de dividendos estáveis e previsíveis - isto é, empresas com ‘ações geradoras de renda’ - dificilmente serão bem vistas pelo mercado acionário por introduzir novas tecnologias ou inovações radicais. Pelo contrário, serão punidas com a redução dos preços de suas ações e em seu valor de mercado.”

Benner cita como exemplo típico disso em sua pesquisa o caso da Verizon Communications, uma companhia peso pesado do setor de telecomunicações. Analistas do mercado de ações questionaram os enormes desembolsos de capital da empresa na FiOS, uma rede de fibra ótica de alto volume cujo propósito é fazer frente à “tripla” ameaça ao seu negócio representada pela Comcast nos segmentos de TV a cabo, Internet de alta velocidade e serviço telefônico VoIP

“Pesquisas recentes indicam que o mercado acionário não reage bem a inovações intangíveis e de uso incerto e às mudanças tecnológicas”, diz Benner. “O que isso significa para as empresas de grande porte de capital aberto? Significa que talvez fiquem em desvantagem se decidirem incorporar alguma inovação radical. Essa inovação, portanto, deverá ser bem-vinda em empresas novas financiadas pelo capital de risco.”

A terceirização da inovação poderá se tornar moda num futuro não muito distante. “É notória, principalmente no segmento farmacêutico, a disposição com que as grandes empresas incorporam inovações já introduzidas por empresas pequenas de capital fechado, como em companhias novatas do setor de biotecnologia”, diz Benner. “É provável que boa parte das inovações realmente radicais migre das grandes empresas para as pequenas novatas.”

Esse cenário aponta para o surgimento de uma “forte tendência” no desenvolvimento do produto: a chamada “Inovação Aberta”, conforme explica George S. Day, professor de marketing da Wharton e co-diretor do Centro Mack de Inovação Tecnológica. Day é também um dos autores de Wharton e as tecnologias de gestão emergentes. A Inovação Aberta, também conhecida como crowdsourcing, supõe o trabalho em conjunto entre parceiros para a resolução dos problemas da empresa.

O arquétipo desse modelo é a InnoCentive, de Waltham, Massachusetts. A empresa estabelece o contato entre indivíduos dentro da empresa com problemas nas áreas de ciências, engenharia e negócios com amadores fora da empresa espalhados pelo mundo todo e em condições de resolvê-los. Essas pessoas disputam então - pelo direito de alardear suas realizações e em troca de uma premiação simbólica - a oportunidade de proporcionar as melhores respostas para os problemas das empresas. “A maior parte das empresas não está em busca de uma inovação espetacular que lhes permita um avanço surpreendente”, diz Day. Pelo contrário, o que elas querem é a solução rápida de uma parte específica de um quebra-cabeças maior.

Para empresas que desejam conseguir a “fórmula mágica” que lhes permita resolver sempre seus problemas internamente, todo sucesso prévio pode se tornar um enorme impedimento à inovação, diz Kim. O problema é que o sucesso cria um constructo virtual, um paradigma de “como fazer as coisas” que não deixa espaço para que o pensamento novo floresça. Kim refere-se a essa situação como “maldição do conhecimento”. A formação de equipes com indivíduos de campos distintos “é uma forma de quebrar essa maldição”, diz ele. Outra maneira de romper essa condição consiste em formar “duplas mistas”, em que um profissional experiente se associa a um indivíduo com muito pouca experiência, porém dotado de uma perspectiva original no tocante à forma de resolver os problemas.

O excesso de informações apresenta uma oportunidade incrível de inovação disruptiva, diz Kim. O conhecimento está sendo gerado a um ritmo muito mais veloz do que qualquer ser humano jamais poderá ter esperanças de assimilar. A desvantagem é que constantemente descartamos um volume enorme de dados porque somos bombardeados com uma dose maciça de informações inédita na história.

Para provar sua tese, Kim exibiu para o público do programa de mestrado um filme em que se reproduzia uma velha experiência psicológica. Duas equipes, uma de branco e outra de preto, arremessavam bolas de basquete jogando-as para frente e para trás. Kim pediu ao público que contasse o número de passes feitos pelos membros da equipe de preto. Alguns estudantes não se deram conta da presença de uma pessoa vestida de gorila que caminhava displicentemente pelo meio do cenário, uma vez que não haviam recebido instrução nesse sentido. “Tenho certeza de que todos vocês viram o gorila. Uns, porém, processaram o que viram e armazenaram a informação; outros não se deram conta da presença dele porque sua atenção estava voltada para uma informação específica.”

Sete horas de rafting em corredeiras

O termo “tecnologia disruptiva” difundiu-se em fins dos anos 90 depois do lançamento do livro O dilema do inovador, de Clayton Christensen, professor da Escola de Negócios de Harvard. Na prática, porém, os Laboratórios Bell serviram de incubadora para as inovações “disruptivas” que mudaram vários paradigmas desde sua fundação em 1925 fruto de uma joint venture entre a AT&T e a Western Electric.

Pesquisadores do Bell Labs do norte de New Jersey ganharam seis prêmios Nobel e foram responsáveis por uma série de inovações. Foram eles que inventaram a célula fotovoltaica, o transistor de silício, o controle do processo estatístico, o sistema operacional UNIX, a linguagem de programação C, a tecnologia digital para celular e redes de área local sem fio. Estas são algumas das inovações mais conhecidas que ganharam forma ali.

Hoje, disse Kim, os pesquisadores do Bell Labs trabalham com tecnologias igualmente revolucionárias. Eles estão desenvolvendo, por exemplo, um sensor líquido que pode tomar qualquer forma mediante a aplicação de voltagem - Kim prevê que o sensor possa ser utilizado como lente equipada de zoom. A divisão também recorre à nanotecnologia para criar imagens em 3D. “Vocês já viram em filmes de ficção científica imagens holográficas em 3D? É possível fazê-lo utilizando as tecnologias de hoje, só que ainda é muito caro.”

Kim apresentou um estudo de caso da Alcatel-Lucent - Lucent Technologies na época - sobre como injetar o espírito de inovação disruptiva em uma cultura estagnada. A divisão de redes óticas da Lucent havia tido um desempenho terrível e a empresa demitira os principais gerentes da unidade. “Eu sabia perfeitamente a razão pela qual eu havia sido posto ali: ninguém queria fazer o que eu teria de fazer, e eles precisavam de alguém em quem pôr a culpa”, disse Kim.

A divisão estava moribunda: os resultados financeiros eram decepcionantes e o moral estava baixo. Kim fez uma faxina na equipe de gestão e levou os sobreviventes para um local distante da empresa utilizado para a prática de rafting em corredeiras. “A primeira coisa que todo o mundo diz numa situação dessas é ‘Para que tudo isso?’ Pouco depois vem o tédio.” O exercício, cuja finalidade é promover o trabalho em equipe e a cooperação, foi idealizado por um psicólogo. Em vez de se ajudarem mutuamente, os gerentes usavam os remos para jogar água uns nos outros, “como se fossem crianças”.

Contudo, a experiência psicológica não terminou com o fim do rafting. “Depois de seis ou sete horas de exercício, estavam todos cansados.” Naquela noite, durante o jantar, aqueles executivos deixaram de lado a postura “profissional” com que haviam chegado ao local e passaram horas aprendendo uns sobre os outros.

No dia seguinte, houve novamente várias sessões em que se discutiram estratégias e mais rafting. No entanto, segundo Kim, a interação foi mais genuína e produtiva do que no dia anterior, em que os participantes não passavam de quase estranhos. No primeiro trimestre posterior ao evento, diz Kim, as receitas do grupo saltaram para US$ 510 milhões; no trimestre seguinte, para US$ 560 milhões; depois, US$ 730 milhões e US$ 970 milhões. Moral da história: “O trabalho em equipe é fundamental para o sucesso de qualquer empresa.”

O conselho de Kim para que ocorra a inovação disruptiva não é exatamente revolucionário, embora possa parecer extremamente raro quando muitas empresas ainda raciocinam em termos trimestrais e os funcionários compartilham também dessa visão de curto prazo.

Nem mesmo o célebre Bell Labs parece estar imune à pressão de produzir uma tecnologia que seja rapidamente utilizável. Numa atitude que chocou o mundo da ciência, a Alcatel-Lucent simplesmente cancelou, no verão passado, o financiamento para pesquisas em física básica do Bell Labs. Funcionários da empresa disseram que tomaram a decisão com o objetivo de aproximar mais o Lab dos interesses comerciais da matriz nos segmentos sem fio, ótico, de redes e da ciência da computação. Ou, como disse Peter Benedict, porta-voz da Alcatel-Lucent, à revista Wired em agosto: “No novo modelo de inovação, a pesquisa deverá sempre acompanhar as necessidades da sociedade controladora.”

A pesquisa básica lida com a questão mais fundamental da ciência e não tem nenhuma aplicação direta. Ao mesmo tempo, ela lançou os fundamentos da maior parte das conveniências modernas de que desfrutamos hoje, como a aviação comercial, o GPS e os vários tipos de laser.

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