30/09/09

Como governar sem maioria

por JOÃO PEDRO HENRIQUES.

Governo sem maioria é possível. Foi dos socialistas o único Governo de maioria relativa que sobreviveu uma legislatura inteira e José Sócrates integrava-o.

José Sócrates prepara-se para ser chefe de um Governo sem maioria absoluta na Assembleia da República. E se alguém tem experiência de governar sem maioria é ele. Afinal foi secretário de Estado e ministro nos dois governos de António Guterres (1995-1999 e 1999-2002). Ambos em maioria relativa. E o primeiro conseguindo cumprir a legislatura. Há meia dúzia de regras a seguir. Um exercício que, porém, um desses ex-governantes considera "fútil" já que "as circunstâncias são completamente diferentes".

Diz um antigo ministro que o que salvou o primeiro Governo de António Guterres foi a definição de um objectivo estratégico para o País que conseguia colocar o PSD a bordo do mesmo barco do partido do Governo. Intitulava-se "adesão ao euro". À sombra desse propósito, o PS foi conseguindo que o PSD, liderado durante grande parte da legislatura (1996-1999) por Marcelo Rebelo de Sousa, viabilizasse os Orçamentos do Estado. Marcelo, aliás, para fúria do seu partido, disse logo que assumiu a liderança que daí em diante viabilizaria os primeiros OE do PS, mesmo não os conhecendo, em nome desse objectivo.

No futuro Governo de Sócrates é mais difícil definir um objectivo tão congregador assim. Poderia ser algo como "sair da crise". Mas há várias maneiras para "sair da crise" - uns defendem baixa de impostos, outros que se mantenham, outros mexidas pontuais aqui e ali. Outra opção: baixar o endividamento e regularizar o défice. Representaria, para o PS, ir ao encontro do PSD. Ou então, tentando fazer passar o OE pela via esquerda, estabelecer com o BE e o PCP um plano de combate ao desemprego (à esquerda do PS a prioridade nunca foram as contas públicas). Uma coisa é certa: o PSD tem um papel de charneira na próxima legislatura. Abstendo-se, todas as medidas do PS passam.

Outra regra: para cada projecto definir um parceiro. Não ficar enclausurado numa aliança permanente com uma única força partidária. Guterres fez Orçamentos passarem abençoados pelo PSD mas também pelo CDS, na sua segunda legislatura. E, em desespero, com um único deputado (Daniel Campelo, no famoso orçamento limiano). Negociar e, como diz um ex-ministro, proceder a "um exercício de identificação de consensos verificados". Deixar a esse parceiro a exploração eleitoral dos méritos das propostas aprovadas. Co-responsabilizá-lo, por outras palavras.

Mas tudo só é possível cumprindo um terceiro requisito. Ter na pasta como primeiro-ministro, nas Finanças e nos Assuntos Parlamentares personalidades com vocação para a diplomacia. Sócrates, ele próprio, já provou que tanto pode ser "feroz" como dado à "gentileza" (prometeu-a aos professores, por exemplo). Teixeira dos Santos também não é conhecido por ser inamovível. Já Augusto Santos Silva (Assuntos Parlamentares) terá de transitar para outra pasta. Pede-se alguém com talento negocial e profunda experiência parlamentar.

Por último: alicerçar com qualidade técnica consensualmente reconhecida cada proposta política. Dito de outra forma: a técnica dos "livros brancos". Documentos baseados em visões académicas prestigiadas, que se coloquem acima das agendas partidárias.

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